segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Mensagem numa garrafa

Voltei episodicamente ao defeito antigo de pensar demasiado nas coisas, de complicar o que é simples. O passado é como uma caixa de surpresas, que se fecha com o esquecimento e que depois de fechada não sabemos o que guardamos lá dentro. Ocasionalmente um amigo ou uma foto entreabrem essa caixa, e por uma fresta fina podemos puxar as recordações, presas umas às outras por um fio invisível. O passado foi vivido por nós, é suposto sabermos como foi, mas às vazes ele surpreende-nos trazendo na linha recordações inesperadas. É incrível quanto de nós hoje se alicerça no passado. Agora chega! Volto a fechar a caixa; corto o fio deste blog. Vou deixa-lo morto e à deriva, como uma mensagem numa garrafa na vastidão do mar; vou deixa-la ir, ao sabor das ondas, não fazendo conjecturas sobre o seu futuro. Será encontrada e aberta? Pouco importa.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Adultos prematuros

Esta foto sempre me perturbou. É de uma moça jovem mas que parece adulta. Parece cheia de tristeza e resignação. Também o olhar do fotógrafo é pesado no momento em que a imagem é capturada. (Para criar o fundo colei na parede folhas da necrologia do jornal.)Olhar para esta foto agora faz-me pensar que alguns de nós, com tanta ânsia de crescer, fomos adultos prematuros; passámos de adolescentes a adultos saltando por cima da juventude.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Rebeldia

É bom viajar, mas na juventude era muito melhor, era rebeldia! Partíamos sem rumo. Quando estávamos fartos de um sítio íamos à estação e pedíamos um bilhete para o primeiro comboio (não importava para onde). Se o dinheiro não chegava para o bilhete íamos à boleia. Cada dia uma nova terra, uma nova pensão mas sempre a mesma vontade de não parar.
Quando a roupa estava suja ou o dinheiro acabava voltávamos para o aconchego da casa dos pais, rotos, esfomeados e com vontade de partir.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Tripla recordação

No meio de fotos inteiras, tenho umas quantas rasgadas. São pedaços do passado, que num passado mais recente, quis despedaçar. Representam fases que por um motivo qualquer me envergonhei e quis negar. Foi, é certo, uma negação simbólica (para que rasgar?) e pouco veemente (porquê guardar?).
Tê-las rasgado e guardado traz um valor acrescentado, cria uma sobreposição de recordações: o momento da foto e o da sua recusa. Tirá-las da caixa, juntar os pedaços e escrever sobre eles, retêm para o futuro um novo momento, uma terceira camada de recordação que se deposita sobre as anteriores.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Vestígios arqueológicos

Na caixa de recordações encontro por vezes coisas estranhas e divertidas: um disco de telefone, um compasso com tira-linhas, uma pega de metro das antigas. São objectos do dia-a-dia que já não fazem parte dos nossos dias, vestígios arqueológicos de um passado quase presente, demonstrações inequívocas da aceleração da história. São pensamentos a mais agarrados a coisas tão simples. É melhor fecha-las na caixa.(Ainda se lembram daquelas carruagens de metro vermelho e bege, com bancos de napa azul e frisos em madeira?)