quinta-feira, 10 de maio de 2007

Última hora!

Há dias fui surpreendido com uma notícia de última hora, que fez a abertura de alguns telejornais: Astrónomos observam a maior explosão estrelar do universo. O cataclismo que deu origem à maior Super Nova de sempre teve lugar à distância segura de 240 milhões de anos-luz, mais coisa menos coisa.
Tentando ver para além do óbvio – a enormidade da explosão – o que eu achei verdadeiramente interessante, foi algo que ninguém noticiou: o aconteciemnto de última hora foi dado em diferido. Uma das coisas que aprendi nas aulas de Física do Liceu, é que nestas coisas da Astronomia há uma certa promiscuidade entre espaço e tempo. No caso particular, a imagem da explosão, mesmo viajando à velocidade da luz, levou 240 milhões de anos a cá chegar. O mínimo que se pode dizer é que a notícia peca por falta de actualidade.
Reescrevo mentalmente as parangonas dos jornais: Há 240 milhões de ano houve uma grande explosão, e acrescento por baixo, em letras menores, O que aconteceu entretanto ainda não sabemos.
De repente fico com a sensação que afinal não saímos do Rainha assim há tanto tempo…

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Antigo aluno

Atravesso os corredores do Rainha, em direcção à saída. Espreito pelas portas entreabertas para ver como são as salas dezasseis anos depois. Tudo está trocado. Onde era a reprografia está a associação de estudantes; as salas de trabalhos manuais acolhem agora a informática, num óbvio sinal do tempo.
Sinto-me um intruso, um ladrão que por curiosidade bisbilhota as gavetas da casa que assalta. Estava absorto no meu voyeurismo, quando sou surpreendido com a frase os antigos alunos também podem entrar.
Levei alguns segundos até compreender a situação. Quem me surpreendeu foi uma professora, que apercebendo-se da situação me convidou a entrar. (Terei um rótulo na testa dizendo antigo aluno?) Sinto-me apanhado e declino o convite apressadamente, prosseguindo pelo corredor. A frase no entanto permanece na minha cabeça: antigo aluno. Pensei que me tinham chamado ao Liceu, para contar as peripécias de outros tempos, na qualidade de ex-aluno, mas afinal sou antigo aluno. Faz toda a diferença. Ex é aquele que foi mas já não é; é uma mudança de estado no tempo, mas num tempo não quantificado; é intemporal. Mas antigo é outra coisa, não fazendo uma quantificação precisa dá-nos uma ordem de grandeza, é um ex já com alguns anos em cima. A frase de circunstância, por definição amável, esbofeteia-me com o hiato temporal implícito. De repente apercebo-me que aquele local já não me pertence, que apenas sou dono da minha memória do local, ou, pior ainda, que sou refém da minha memória do local.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Ironia

A vida tem destas ironias. Uma mensagem lançada ao mar numa garrafa, que no capricho das ondas volta ao remetente sem nunca se ter afastado dos seus pés. Um fio que queremos cortar mas que resiste teimosamente, vincando as mãos nuas. Um filho pródigo que regressa a casa.
O meu último dia de Liceu foi num Setembro demasiado luminoso, para fazer um exame de 2ª época. Faltava concluir uma única disciplina para ter o secundário terminado; fartava transpor o derradeiro obstáculo para poder ir para a universidade e virar mais uma página da vida. Sentia plenamente a solenidade do momento, como um ginasta que quer a medalha de ouro: se falhar, perde a medalha e um ano de vida.
Por estranho que pareça, o exame foi feito no ginásio. Para os professores havia a conveniência de juntarem numa só sala todos os alunos, a uma distância segura uns dos outros, para evitar os cabulanços. Para os alunos havia o stress adicional de estarmos fora do nosso espaço habitual, numa sala sem aconchego, sentido uma pressão inquisitória sobre nós. O meu pensamento tinha a simplicidade do instinto de sobrevivência: quero acabar, sair, e nunca mais cá por os pés!
Dezasseis anos depois regresso ao mesmo local. A sala está engalanada para a celebração dos 60 anos do Liceu. Por qualquer equívoco fui incluído num grupo restrito de ex-alunos a quem foi pedido que contassem histórias de outros tempos. Senti-me como uma raposa a quem pediram para guardar as galinhas. À minha frente tenho os professores a quem fazia a vida negra e os alunos que agora o fazem por mim. Vacilo entre a vontade de ser fiel aos acontecimentos e a necessidade de branqueamento do passado. Coragem! Já passaste aqui um exame!